domingo, 28 de setembro de 2008

DESÍGNIOS

ELA ESTAVA ALI, COMO EM TANTAS OUTRAS NOITES. Sentia que sempre estivera assim, ali. Nunca tivera consciência do passado e nem do futuro. Só o ali lhe era familiar, a rua e a noite, companheiras dos que querem esconder-se atrás de suas máscaras.

Dailza era seu nome. Nem grande e nem pequena, cabelos longos, rebeldes e avermelhados pela tinta barata que usava. Possuía um olhar de culpa secular. Trabalhava ali todas as noites, como se lhe fosse imoral fazer qualquer outro tipo de ofício.

Aliás o que é moral ou imoral? Ela não podia saber como uma simples letra pode mudar o significado de uma palavra. Amoral, fora da noção de moral ou de seus valores. Imoral, devassa, libertina. Dailza enquadrava-se aqui. Usava a moralidade somada ao charlatanismo para atingir a quem, ou ao quê lhe interessava. Às vezes, pagava favores com seu corpo, um simples carreto era justificável. Os que lhe conheciam diziam -Coitada.

Nunca fora amada. Fizera escolhas e não podia concretizá-las por isso, usava e era usada, sempre com um apelo sexual, como uma espécie de sobrevivência; estava disponível. Os seus pseudo-amores comentavam: - Zumbis... Todos se tornam zumbis. Morte em vida, levando anos para recuperar-se e perceberem que, a vida ao lado dela seira uma tortura; um engano após o outro. Ela sempre enganava. Sua fala mansa, cara de santa, seduzia homens, fazendo-se de insatisfeita com a vida que levava.

Com seu trabalho nortuno conseguira alguma independência, mas preferia a comodidade de uma pensão. Lá lhe serviam e a faziam sentir-se em casa. Afinal, precisava manter as aparências. Escolhera como refúgio uma pensão familiar, dirigida por um casal de velhinhos espanhóis. quase surdos e cegos. Ela podia levar seu clientes sem ser notada. Sempre justificava a presença de algum homem, como sendo o noivo, o amigo, o irmão.

A quem ela atendia? Quais os tipos? Todos que se encaixassem no esteriótipo do carente-inseguro-necessitado, ou muito confiante; pois esses tipos sentem-se facilmente atraídos por mulheres que estão à disposição para ouvir e dar a qualquer hora. Ela só não podia à luz do dia, era perigoso. Eram jogos teatrais. Agia tal qual uma artista, afinal vivia disso. Dependia disso!

Em determinado tempo de sua vida resolveu mudar. Foi para os classificados, no começo retinha ora ou outra o olhar vnos anúncios de garotas e garotos de programa, o vício era difícil de eliminar, contudo um anúncio lhe chamou a atenção: ofereciam vagas para garçonetes em um pub. Resolveu verificar.

O local tinha um ar místico, de coisa mal acabada ou por reformar... Na verdade, necessitava de uma reforma. Estava vazio. entrou e logo um homem apareceu na penumbra. O silêncio imperava.

A silhueta na meia escuridão, não lhe deixava ver nitidamente quem era, mas conseguia perceber um formato de corpo quixotesco. E isso despertou-lhe o desejo.

Desejo de reviver amores perdidos, ou melhor, que nunca foram tidos. De eliminar o desprezo e a indiferença que os homens lhe ofereceram durante anos. Assim em questão de pouco tempo recordou momentos amargos, frustrantes e que gostaria de apagar.

Resolveu falar primeiro, disse ao que vinha. O homem foi aproximando-se e ao chegar ao pequeno faixo de luz, ela pode decifrar sua fisionomia, que susto ao reconhecer neste homem, um caso do passado. Dentro de tanots amantes, este lhe causava certo torpor. Não por que chegase a lhe prometer algo, ou a tratara com respeito, ou mesmo carinho, somente porque o que é proibido, imoral, engorda nossa imaginação. E ela, imaginava-se, na época, com dotes para prendê-lo. Puro engano, ele escoregava de suas mãos a cada trepada. Depois do gozo satisfeito, aquela sensação de uso a dominava. Trepava e sumia. Traindo a cumplicidade do momento. Um usurpador! Sabia bem que para uma noite qualquer um serve, mas para um vida inteira só os eleitos. Ela o elegera, mas ele não.

Ela o encarou sorrindo. Ele não a reconheceu.

Ficou em silêncio e num lampejo decidiu o que faria se estava ali porque decidira mudar de vida, deveria mudar de verdade. Como? Vingando-se! Nesta noite reverteria tudo, esa figura peculiar e familiar seria a ponte de vingança de um passado aniquilado. Enquanto seus pensamentos mórbidos, maliciosos e calculados formavam-se, o espécime, como um animal, esgueirava seu corpo mal -intensionado para junto do dela. Ela pede para ir ao banheiro, precisava limpar-se, na noite anterior dormira cansada e nem tivera coragem de banhar-se, além disso, tinha algo em mente.

O homem finalmente disse uma palavra, indicando a direção.

Ao voltar encontrou-o sentado, tomando um líquido vermelho, sua taça já a esperava na mesa. Convidando-a, puxou uma cadeira para que ela pudesse sentar-se ao seu lado. Ele lhe oferece a taça.

Conversaram um pouco. O home provavelmente tinha seus pensamentos. Ela, com sua figura chifrim, servia para o serviço. Pagaria pouco. Quem sabe até, em espécie. Troca de favores. A vadia serve, ele sabia. Todos reconhecem essas mulheres, de repente querem mudar de vida, ma no fundo os instintos, o vívio e o hábito falam mais altos. Era vadia. Poderia até não contratá-la, mas pagaria a viagem até ali. uma boa trepada, para que não se perca a viagem. Ria-se. Ela fazia que nã percebia o sorriso sarcástico que ele possuía.

O homem então se levantou, saindo por um instante. Dailza aproveitou para torcar o líquido das taças. Nada de gestos aleatórios, sabia o que queria. Durante sua vida encontrara um homem que lhe servira durante anos e ela até lhe tentara ser fiel, nunca se entregando a outro com paixão, mas ele não era homem suficiente para ela. Gostava mesmo era dos que tinham instintos animais, iso era o que queria. Esse era como uma mulher, cheio de sentimentos e emoções, uma "biba" pensava, nunca o vira como Homem. Cultivara-o por anos, só para não se sentir só e não se lembrar de seu verdadeiro desejo. Até acreditava ser solteirona, por ter perdio muito tempo com esse ser afeminado. Nunca saira da vida, pois ele não lhe garantia orgasmos múltiplos, não lhe dava a segurança necessária para sobreviver aos entraves que uma longa vida podia oferecer. O macho a sua frente, lhe era, o oposto deste ser. Viril!
Os pensamentos são interrompidos, o cavalheiro da triste figura volta ao salão. Sentou-se e nem percebeu que algo fora mudado. A conversa entre ambos reinicia e ao final o homem a contrata. Um brinde é anunciado para comemorar o acordo. Erguem-se as taças, os olhares se cruzam e o gole fatal é dado.
O homem começa a sentir-se entorpecido, agora ela ri de forma sarcástica e sente prazer ao vê-lo rendido. Ele não sabe muito bem o que está acontecendo, sua sanidade parece perder-se, seu corpo descontrolado. Suas veias saltam. Ele a agarra embriagado de desejo. Trepam. E ao fim ele sente sede, uma sede inexplicável. Deseja mais e repete a dose. ela está satisfeita, tudo muito rápido e sem amor, como fora sua vida inteira, quase se sente deseja com toda a loucura que ele sustenta. Que nunca se sacia e ele implora que lhe tirem aquela maldita sede. Ela sem titubear lhe oferece outra taça. Ele se lambuza vertiginosamente, e em grunhidos questiona o que ela colocar no vinho. Ela ri mais uma vez. Iniciara um ritual para executar sua vingança.
Ele fica exausto. Não pode lhe oferecer mais nada. Ela se aproxima, e seu sorriso é escancarado revelando portuberantes caninos que são cravados no dorso dele. Suga-lhe o que pode. Goza e chora. Novamente e secularmente está só. Sabe que, sua sina é viver só. Finaliza o ritual de vingança. Joga o resto da taça no rosto dele, forçando a inebriar-se mais de seu sangue menstrual. Um rito herdado da mãe de todas por séculos e séculos.
O homem desfalece. Saciado. Anestesiado. Não tem noção de nada, não poderia mais viver como vivia e morre para essa vida. E ela, ela não estava mais ali.
Denize Muller ( Folhas ao vento - Andross Ed. 2007)

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